Simples Assim


 Todos temos dias lindos.Chegam sem pedir licença e só nos dão tempo de dizer: são dias lindos!
Quando era bem mais jovem – devia ter uns 19 anos – me correspondia com Carlos Drummond de Andrade. Sentia-me privilegiada.
O poeta maior se dignar a escrever para mim!Aquilo me fazia vaidosa e até um pouco cheia de mim.
A primeira carta que recebi dele tinha um trecho assim: ” O dia estava cinzento e ficou azul com sua linda, linda carta!“.
Meu coração disparou…Como faz até hoje quando releio suas cartas.E suas poesias.
E, hoje lembrei dessa frase.” O dia estava cinzento e ficou azul”. E, pensei no poder que tem uma palavra amiga, uma frase solta ao ar que consegue mudar o dia de alguém.Pensando nisso resolvi hoje, nesse sábado brilhante, em dividir com vocês um trecho de uma linda crônica de Drummond sobre os DIAS LINDOS. Assim com letras maiúsculas.
Que esse trecho nos ajude a tornar o nosso sábado um dia azul.

Os dias lindos*

“Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos.
A cor é mais cor, na pureza deste ar que ousa desafiar os vapores, emanações e fuligens da era tecnológica. E o raio de sol benevolente, pousando no objeto, tem alguma coisa de carícia.
O ar. Ficou mais leve, ou nós é que nos tornamos menos pesadões, movendo-nos com desembaraço, quando, antes, andar era uma tarefa dividida entre o sacrifício e o tédio?
Tornou-se quase voluptuoso andar pelo gosto de andar, captando os sinais inconfundíveis da presença dos dias lindos.
Foi certamente num dia como estes que Cecília Meireles escreveu: “A doçura maior da vida flui na luz do sol, quando se está em silêncio. Até os urubus são belos, no largo círculo dos dias sossegados”.
Porque a primeira consequência da combinação de azul e leveza de ar é o sossego que baixa sobre nosso estoque de problemas. Eles não deixam de existir. Mas fica mais fácil carregá-los.
Então, é preciso fazer justiça aos dias lindos, oferecer-lhes nossa gratidão. Será egoísmo curti-los na moita, deixando de comentar com os amigos e até com desconhecidos que por acaso ainda não perceberam o raro presente (…)
“Repare como o dia está lindo”. Não precisa botar ênfase na exclamação.
Pode até fazê-la baixinho (…). Mesmo assim, a afirmação pega. Não só o dia fica mais lindo, como também o ouvinte, quem sabe se distraído ou de lenta percepção sensorial, ganha a chance de descobri-lo igualmente.
Descobre e passa adiante a informação.
A reação em cadeia pode contribuir para amenizar um tanto o que eu chamo de desconcerto do mundo.
De onde se conclui: deixar de lado, mesmo por instantes, o peso dos acontecimentos mundiais trágicos, esmagadores, para degustar a finura da atmosfera e a limpidez das imagens recortadas na luz (…)
Certos dias (…) são mais lindos do que os outros dias em geral, e nos integram num conjunto harmonioso, em que somos ao mesmo tempo ar, luz, suavidade e gente.”
*Carlos Drummond de Andrade, crônica publicada no Jornal do Brasil, no final dos anos 1970
Se você gostou do texto,  aqui.você o lê na íntegra.

                                                                                                                                 (Lylia)

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Lylia Diogenes

Jornalista, blogueira, mãe, esposa, filha, sogra, amiga, irmã. Leitora voraz, curiosa, destemida, alegre, sensível, apaixonada pela vida, por animais, por viagens, por comidas gostosas, por boas bebidas, frio, silêncio, natureza, paz. Assim sou eu, do jeitinho que me vejo. Múltipla na unidade e acreditando, sempre, que o melhor está por vir.

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