Simples Assim


Essa era a cozinha de Julia Child
Tem dias que estou inspirada, que paro tudo para olhar o mundo com outros olhos. Olhar mais do que ver. Nesses dais, percebo maravilhas que me levam a escrever, como se as letras pudessem transmitir a beleza que se recolhe com esse olhar. Algumas pessoas conseguem isso e, mais importante, conseguem tocar nossa alma e nos transportar a um estado de espírito que nos faz caminhar com mais leveza. Drummond é assim. Mexe comigo, me emociona, me move, me sensibiliza. Coisa de identidade.Como se ele falasse por mim. Quando diz, por exemplo, que “Tenho apenas duas mãos e todo o sentimento do mundo…”
Tenho também um amigo sábio que me leva a esse estado de contemplação e leveza e que conseguiu dar nome a pessoas assim: “Pessoa Sinal”. Segundo ele, são pessoas que “tocam e se deixam tocar pelos outros”, dentre outras coisas. Pessoas sinais, sim, são essas pessoas especiais que temos a graça de encontrar pela vida.
Rubem Alves, também é assim. Pessoa sinal. Foi ele que me emocionou hoje cedo, com suas palavras cheias de poesia e de vida que me levaram a essa postagem inspirada.
Ele estava no blog da Andréia, o Espaço Artesanal, em uma bonita crônica sobre Ipês Amarelos. Fui até o site dele e me deparei com um texto sobre Cozinha. Pensei comigo: “Eu que deveria ter escrito isso, é exatamente o que penso”.

Como acredito que vocês, como eu, têm um carinho todo especial pela cozinha, trago hoje, para nós, trechos desse texto do Rubem Alves que tão bem retrata aquele que, para mim, é o melhor lugar da minha casa. Mas, vale a pena ler o texto integral que está aqui.

Uma cozinha inspiradora
A Cozinha
Rubem Alves 

Qual é o lugar mais importante da sua casa? Eu acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise. Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente revela também o lugar preferido da alma. Nas Minas Gerais onde nasci o lugar mais importante era a cozinha. Não era o mais chique e nem o mais arrumado. Lugar chique e arrumado era a sala de visitas (…) Na sala de visitas as crianças se comportavam bem, era só sorrisos e todos usavam máscaras. Na cozinha era diferente: a gente era a gente mesmo, fogo, fome e alegria.

(…) Nas casas de Minas a cozinha ficava no fim da casa. Ficava no fim não por ser menos importante, mas para ser protegida da presença de intrusos. Cozinha era intimidade. E também para ficar mais próxima do outro lugar de sonhos, a horta-jardim. (…)

(…) Das coisas boas que encontrei nos Estados Unidos nos tempos em que lá vivi estava o jeito de fazer as casas: a sala de estar, a sala de jantar, os livros, a escrivaninha, o aparelho de som, o jardim, todos integrados num enorme espaço integrado na cozinha. Todos podiam participar do ritual de cozinhar, enquanto ouviam música e conversavam. O ato de cozinhar, assim, era parte da convivência de família e amigos, e não apenas o ato de comer. Eu acho que nosso costume de fazer cozinhas isoladas do resto da casa é uma reminiscência dos tempos em que elas eram lugar de cozinheiras negras escravas, enquanto as sinhás e sinhazinhas se dedicavam, em lugares mais limpos, a atividades próprias de dondocas como o ponto de cruz, o frivolité, o crivo, a pintura e a música.

Faz tempo, num espaço meu, eu gostava de reunir casais amigos uma vez por mês para cozinhar. Não os convidava para jantar. Convidava para cozinhar. A festa começava cedo, lá pelas seis da tarde. E todos se punham a trabalhar, descascando cebola, cortando tomates, preparando as carnes.

Dizia Guimarães Rosa: “a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia.Comer é a chegada. Passa rápido. Mas a travessia é longa. Era na travessia que estava o nosso maior prazer. A gente ia cozinhando, bebericando, beliscando petiscos, rindo, conversando. Ao final, lá pelas onze, a gente comia. Naqueles tempos o que já tinha sido voltava a ser. A gente era feliz.

Sinto-me feliz cozinhando. Não sou cozinheiro. Preparo pratos simples. (..) “
(Rubem Alves)

Assim sou eu.Sou feliz cozinhando.Não sou cozinheira. Preparo prato simples, mas com muito amor.

Lylia Diogenes

Jornalista, blogueira, mãe, esposa, filha, sogra, amiga, irmã. Leitora voraz, curiosa, destemida, alegre, sensível, apaixonada pela vida, por animais, por viagens, por comidas gostosas, por boas bebidas, frio, silêncio, natureza, paz. Assim sou eu, do jeitinho que me vejo. Múltipla na unidade e acreditando, sempre, que o melhor está por vir.

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